Eu
tinha uma visão perfeita. Daquelas que a avó pede para colocar a linha na
agulha, e não me demorava nem 5 segundos, daquelas que a mãe falava “bemzadeus”, quando lia aquele cartaz
longe, que ela nem entendia nada. Até que eu comecei a ler. Eu sabia que uma
hora ia acontecer comigo, minha mãe sempre amou ler e meu pai também. Minha avó
amava estudar línguas, e claro, eu não ia escapar do mesmo destino. Então me
viciei na leitura e... Estou dando adeus a uma boa visão.
Eu
lia com luz do celular, nas madrugadas antes de ir para escola, e sempre levava
esporros. Depois, meu pai instalou uma luminária, que não ajudava muito, pois
minha vista continuava sendo forçada, e cada dia mais, a visão que inicialmente
só ficava cansada, foi ficando turva e sem cor. O problema era: Eu enxergava
mal de longe, e quando chegava ao médico, ele dizia que a distância era normal,
que eu não precisava de óculos... E lá estava eu, sem óculos, perdendo mil
ônibus por causa do maldito oftalmologista. E não foi só um.
“Ah,
esse grau é bem baixo, não é necessário óculos!”, eles diziam. Até essa semana,
onde, não importa o que eles digam na próxima consulta, EU TENHO QUE USAR
ÓCULOS. Passei direto por três pessoas que conheço. E não eram pessoas que eu
vejo vez ou outra...
Lá
estava eu, no ônibus, só reparando que aquele garoto descarado não parava de me
encarar –e eu odeio que me encarem!-, amarrei a cara, me levantei para saltar e
me assustei quando o “garoto descarado” segurou meu braço, pronta para dar um
ataque, me virei e vi que, na verdade, era um dos meus melhores amigos no
ensino médio, e que não tinha conseguido chegar até minha cadeira para falar
comigo.
Naquele
mesmo dia a noite, estava voltando pra casa quando vejo alguém correndo atrás
de mim. Se eu senti medo? Só quase tive uma síncope mas... Era uma amiga que
não via há muito tempo. –Fernanda! Tô acenando pra você e te chamando, me viu
não? – Sinceramente? Não, não vi. Por quê? Porque estou ficando cega, só pode!
Dependendo
dos outros, esperando que alguém pegue o mesmo ônibus que eu, para que eu não
tenha que fazer sinal quando ele estiver muito perto. E, se o ponto estiver
vazio, ter que fizer decifrando o “formato” das letra e ver se aquele lá é o
meu mesmo. Ter que forçar a vista até não dar mais para ler uma placa. Ser
enganada pelos malditos “a partir de
tanto” nas placas das lojas, que sempre são pequenos demais para meus
olhinhos míopes.
Eu
acredito que vou conseguir um dia fazer meu exame e finalmente encontrar o
oftalmologista que vai dizer “Sim, você precisa de óculos.” E eu vou poder
parar de pegar os óculos dos outros para enxergar aquilo que está longe demais
para mim e perfeitamente visível pelos outros.
Torçam
por mim.
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